terça-feira, 29 de setembro de 2009

Civilização

Da série “Virginia e o Andarilho

Crônica 18 (Primeira parte)


Civilização



Foi numa semana de setembro, eu me lembro, em uma semana de setembro.

À beira da estrada havia uma criança chorando, de longe eu ouvi seu choro e furtivamente me aproximei.


Ao lado da criança havia o corpo de uma mulher, provavelmente sua mãe. Estava toda ensangüentada e provavelmente foi violentada ate a morte - me perguntei por que deixaram viva a criança.


Depois de me certificar de que não era uma cilada me aproximei na esperança de encontrar talvez algo pra comer.


Impossível foi não olhar praquela criança ali a uns metros do corpo da mãe, mas eu me mantinha seguro na tentativa de achar o que comer era preciso ser rápido porque já ia anoitecer e as estradas daquele lugar são sempre muito perigosas quando escurece.


Não encontrei nada, mas meu coração começou a bater forte quando eu já me preparava pra sumir no mato... O choro daquela criança entrada nos meus ouvidos e me deixava surdo de pavor em saber que logo ela seria devorada pelos cães que vivem ali, ou quem sabe coisa muito pior. Parei um tanto longe de onde estava, mas bem no meio entre um corpo morto de mulher e a criança que chorava alto como a me pedir ajuda.


Dei meia volta e percebi que dos seios nus daquele cadáver derramava um leite fraco e esmirrado, não pensei duas vezes; corri peguei a criança no colo e a pus a mamar na sua mãe morta ali na beira daquela estrada.


Enquanto a criança mamava e soluçava muito eu pensava que talvez por ainda permitir que certas coisas me emocionassem, um dia eu ainda me meteria em encrenca da braba. Foi quando ouvi o ronco de um motor e lá longe poeira subindo alto.


Eram o que por aqui chamamos de coiotes; uma tribo de assassinos que vagueia pelas noites procurando o que furtar e vinham na minha direção.


-- Estou perdido- pensei comigo mesmo e larguei a criança em cima da mãe e corri pra entrar no mato e tentar fugir para em seguida imediatamente correr de volta pra pegar a criança e agora sim correr e me esconder no mato.


A criança não chorou, não deu um pio se quer, mesmo quando arranquei do peito morto de sua mãe! Parecia que entendia que aquele momento era tenso eu precisava da ajuda dela. Corri por mais ou menos trinta minutos por dentro duma floresta de bambus petrificado sem pensar, sem parar, sem pensar... Parei e me pus a tentar perceber se vinham a nossa procura e não vinham – má sorte ou revés – pensei calado e ouvindo o meu coração que parecia que explodiria qualquer momento.


A noite já chegava mansa e sem medida – precisamos nos abrigar - andei mais uns metros e depois de colocar a criança em um lugar seguro mas não muito longe de mim, comecei a cavar um buraco no chão pra poder suportar o frio da noite, era única maneira de suportar o frio. É que Um dia jogaram uma bomba... uma não, estrategicamente uma em cada ponto do mundo, a fim de derrotar um inimigo que se escondia em vários locais da terra e o que eles conseguiram?! Levantar uma nuvem de terra e poluição que não baixou como eles disseram que ia acontecer. Ficou lá escondendo o sol, perpetuando no céu uma das mais contundentes provas da nossa ignorância.


Desde então nunca mais ouve amanhecer, os dias são sempre escuros como antigamente eram os fins de tarde e quando anoitece o frio é cortante já que durante o dia o sol não aqueceu a terra.


Entramos na nossa “toca” e ficamos lá quietos e eu tentando aquecer o corpinho frio daquela criança e sem ao menos me perguntar por que eu me preocupava com aquela criatura ali tão pequena e delicada aconchegada nas minhas costelas e sem me perguntar como eu faria pra sobreviver Dalí pra frente.


Pela “manhã” eu me arrastava para fora da toca pensando no que eu daria praquela criança comer e pensando que talvez ela precisasse de um nome. Eu me arrastava trazendo em uma dos braços a criança e quando meus olhos encontraram a pálida claridade do lado de fora me deparei com um grupo de coiotes me esperando lá fora. Nem deu tempo de reagir antes mesmo de eu levantar senti uma forquilha atrás do meu pescoço me forçar a deitar no chão. Outro veio e tirou de mim a criança e colocou numa bolsa e se foi pelo caminho que eu havia tomado pra chegar ali.


Crucifiquem! – disse um com voz de chefe – pegaram alguns bambus petrificados e depois de improvisar uma cruz, me amararam nela não sem antes me dar surra de coronha de espingarda, botas pesadas e outros objetos bem doloridos. Eles urravam e se divertiam enquanto realizavam o serviço.


Vomitando ódio e transpirando pavor eu os vi indo embora por de baixo das minhas pálpebras rasgadas. Eu sentia que minha costela ardia e derramava sangue como se houvesse levado uma facada ou coisa parecida e eu nem me lembrava em que momento acontecera isso.


-- Ana, seria um bom nome – balbuciei pensando sobre o nome que daria praquela criança - Caso fosse uma menina – pensei ainda e desmaiei logo em seguida.





FIM



quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Assombro

Da série “Virginia e o Andarilho

Crônica 19

Assombro




Causou-me assombro o teu olhar ali desnudo e pálido na ultima vez que te vi. Tu já sabias que eu partiria bem antes de eu querer admitir.


Naquela altura o mundo já estava bastante vazio e o sol nem brilhava mais; nem uma voz se ouvia, nem uma tilintar de chuva nas folhas e nos rios; Isso por que não mais avia rios, não mais chovia sobre nossas cabeças e os poucos seres humanos que sobraram depois da grande enchente, se fecharam em pequenas aldeias de ladrões e assassinos (nesse caso nada muito diferente de quando ainda havia luz sobre nós) O planeta estava morto e isso se percebia por que em nenhum lugar se via qualquer planta brotar do chão. O mundo estava em silencio.


Naquela manhã cheia de fumaça e medo eu parti pra não sei onde por um caminho que até hoje não sei bem qual, pois que todos os caminhos levavam ao nada. Mesmo assim fui por que não mais havia sentido no ficar, era teimosia permanecer...


Ficaste lá ao pé daquele imenso monolito arruinado, um monolito que sacramenta o nosso fracasso sobre a face da terra. Ficaste ali de pés descalços sobre as cinzas daquilo que um dia chamamos de cidade, chamamos um dia de chão, e chamamos de casa.


Dalí pra frente era sem volta, sem respostas, sem abraços e sem colo.



Enquanto eu caminhava pra longe eu tentava reconstituir na lembrança as coisas que disseste por que eu sabia que aquilo, muito em breve, seria talvez a única maneira de eu lembrar quem eu era e de onde eu vinha.


Na nossa ultima conversa me dizias que era só colocar o "homem" em uma situação de verdadeiro pavor e medo e de angustia estremas, e terás dele o melhor e o pior! E que no geral todos nós não valemos merda que botamos pra fora.


Imagine nós dois, feitos almas penadas, visagens vagando juntas segundo após segundo sem parar visitando as chamas de salões em tempos imemoriais da nossa própria viajem de éter. Nós peixinhos dourados nadando em círculos cada vez mais fechados enlouquecendo ao poucos num mundo vítrio e gelado


Nunca imaginei que um dia íamos nos separar.


O meu medo a esta altura era que as lembranças se escurecessem de repente na minha cabeça feito lâmpada queimada.


O meu maior medo a esta altura era não poder lembrar-me de nada bom sobre nós pra poder contar a quem quer seja, e me perder pra sempre no escuro das minhas não lembranças, meu medo era que a memória de homens maus se perdesse pra sempre e começássemos a cometer novamente os mesmo erros, meu medo era não ter coragem de falar na hora que fosse preciso.


Meu medo era que se fizesse aquele silencio tão grande dentro da minha cabeça.


Eu senti um pouco de medo enquanto caminhava rumo ao nada, mas me lembrei de antigas historias sobre arrependimentos e estátuas de sal, parei por um segundo; respirei fundo aquele ar empreguinado de gás carbônico e tossi um pouco antes de retomar minha marcha rumo ao, talvez, meu fim.