quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Espelho pequeno



Ele tinha o olhar tão sincero que podia-nos vergar a vista só de olhar naqueles olhos miudinhos.




Era talvez a única pessoa que nunca mentisse nesse mundo, nem sabia o que era mentira por que quando a ele se achegavam com tal intenção, bastava que ele olhasse-lhes nos olhos pra toda verdade borrar o assoalho e logo depois deitar-se em lagrimas ao som de um: “ta eu te perdôo” vindo de sua boca.



Olhos miúdos, sempre como se já fossem descansar “olhos de ver a verdade” diziam deles... E isso é muito difícil pra algumas pessoas...




Olhos de ver a verdade!




Éramos seis amigos e mais uma vez viajamos juntos pra ver o mar; gostávamos de ver o mar por que sempre dizíamos que o mar refletia nossas almas tão atormentadas por um mundo que não nos desejou, que não nos quis. É claro que hoje isso parece exagero, mas tínhamos entre quatorze e 18 anos e era assim que sempre nos sentíamos em todo lugar; como filhos de mulheres estupradas. Era sempre assim... Excerto quando em face do mar.



Desta vez em que fomos ao litoral, ele estava mais calado que de costume, estava mais calmo, mais velho do que de costume.



Chegamos a noitinha no hotel; ele subiu ao quarto e levou consigo sua mochila e seu chapéu ficamos no mesmo humilde hotel de sempre, no mesmo apertado quarto que só tinha um banheiro minúsculo e sobre uma pia, manchada de todo tipo sujeira imaginária, pendurado um minúsculo espelho que só dava mesmo pra olhar os olhos de quem estivesse ali. Como a viajem fora cansativa combinamos de descansar pra de manhã bem cedo ir à praia ver o sol nascer e acalmar nossas velhas almas olhando pro mar, pois que só mesmo o mar era mais velho que nossas velhas almas.




Acho que foi a primeira vez que o vi chorar, ele passou a noite entrando e saindo do minúsculo banheiro...




Dormi e pela manhã antes do sol nascer acordei com o despertador e vi a porta do banheiro entreaberta, achei que ele estava se preparando pra sairmos, quando vi que demorava fui ver se algo estava errado e estava. Ele havia se enforcado com o cabo do abajur.





Dizem que ele não suportou olhar dentro dos próprios olhos, dizem que ele olhou praquele espelho pequeno e viu olhos nunca antes vistos; “olhos de ver a verdade”, dizem que ele olhou nos próprios olhos e não se perdoou, dizem que ele olhou nos próprios olhos e se matou.





5 comentários:

Hanny disse...

me odeio mais ainda depois disso. sempre consigo ver essa maldita verdade...

será que o mesmo vai acontecer comigo?




Talvez não.

Passei do "entre os 14 e 18 anos". Que bom.

Jhonny Russel disse...

Ainda me espanto ao perceber que consegui sair dos 18 sem muitos arrahões!

Marianne disse...

Você escreve de uma maneira que faz as pessoas mergulharem em cada letra.

A verdade é assim mesmo, todos procuram, mas ninguém quer ver, mas se vê, prefere não ver mais.

Tati disse...

Se o personagem Bentinho [de Machado de Assis] tivesse lido o "Espelho Pequeno", certamente a Capitu ganharia mais que olhares de ressaca!

Adorei ler isso aqui!

Letícia Freire de Moraes disse...

Levei um susto na parte do banheiro.
De parar a respiração por uns segundos, sabe?

Que dor ler isso.
Dor de verdade!