terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Deus tempo




Houve um tempo em que ele agradeceria a deus por esta chuva que cai sobre a cidade.




Houve um tempo em que nessa hora ele correria para aquele lugar onde eles foram um, e lá falariam sobre tudo; sobre a cidade estar mais limpa ou não, sobre os carros que estão mais rápidos, sobre as pessaos estarem mais sós... Ou não.





Ele caminha como um zumbi por entre os carros estacionados, como um ser morto e sem alma. Ele não tem medo, nem frio, nem vontades, nem nada.




O cheiro do asfalto molhado, o barulho dos pássaros gorgolejando felizes pela chegada da chuva, o peso da água caindo móbida no seu cabelo. E ele andando em circulos sem deixar rastros...


Completamente encharcado ele pula de poça em poça.


Ele pula, pisa em falso e cai. Espera um momento; vê seu rosto refletido e distorcido numa poça de água suja, ele mergulha na poça na tentativa de se afogar mas esta poça ainda é rasa de mais - Ele ainda não encontrou uma poça grande o suficiente para poder morrer.


A cidade está consciente de todas as tentaivas; cada esquina conta um pouco da vida daquele cara. As pessoas o conhecem e sabem que ele "não  brinca em serviço". Os ônibus passam , os carros passam... Algumas pessoas o olham mas preferem fingir que ele não está ali; por que ver um "semelhante" jogado no chão, sabe-se lá com que tipo de angustias, incomoda demais. então é melhor fingir que aquilo não qxiste.


Ele está encharcado, a cidade está enchacada, a cidade toda é um borrão.


Numa tentativa a mais, ele bate a cabeça no asfalto, bate o mais forte que pode e consegue apenas mais um arranhão na testa e uma leve tontura -  Nada que ele ainda não tenha sentido na vida.


O arranhão na testa sangra, sangra e pinga na poça de água suja onde ele tentou se afogar, o sangue se mistura a água suja criando uma intrigante cor secundária... Ele ri disso, ele consegue perceber uma estranha beleza nisso.


Ele tenta se levantar mas uma tontura, talvez pela pancada na cabeça, lhe toma os olhos e le cai. - Eu sempre me levanto (ele cai mais ele sempre se levanta, essa é que é a verdade.)


Ele sorri uma vez mais, levanta e sai andando por entre os carros estacionados; Sem botas, molhado e com a testa ainda sangrando um pouco, mesmo assim ele sai andando sentido o cheiro do ar úmido e da cidade que ele tanto ama.


Sorrindo, com acabeça rodando e com a terrivel clareza de que algo delicado e invisivel se perdeu para sempre.





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